6 de set. de 2015

Ouro Preto (MG)

Uma discussão recente sobre os cartões heráldicos da Eucalol (uma fábrica de produtos de higiene pessoal que existiu entre as décadas de 1910 e 1970) gerou certa repercussão no grupo de Facebook Heráldica Brasil — vide o post de John Rafael sobre as armas colonias de São Luís (MA).

Eu tenho a impressão que as ilustrações que adornavam os cartões com temática heráldica da Eucalol foram retiradas do livro "Brazões e bandeiras do Brasil", de Clóvis Ribeiro. Ribeiro cita em sua obra apenas seis brasões passados a localidades brasileiras durante o período colonial por autoridades portuguesas: Salvador (1549), Rio de Janeiro (1565), Belém do Pará (1616), São Luís do Maranhão (1647), Vila Bela da Santíssima Trindade (1715) e Cuiabá (1727).

Algo que sempre me deixou curioso é se a omissão do brasão de Ouro Preto, que, segundo o site da própria Câmara Municipal, foi emitido em 1711, foi intencional. O brasão que aparece no site da Câmara é o seguinte:


 Os ornamentos exteriores, certamente, foram parcialmente ou totalmente adotados durante o período republicano. Se comprovar-se que o escudo foi adotado por volta de 1711, no entanto, seu bom gosto seria destacado positivamente entre os demais daquele período de décadence heráldica, Portugal incluído. Em minha rendição:

Ouro Preto: Cortado encaixado de três peças de ouro e negro.

A escolha dos esmaltes ouro e negro são evidentemente parlantes. Os três "picos" e dois "vales" do escudo representam a topografia do município: os morros Cabeças, Santa Quitéria e Alto da Cruz, e os vales Antônio Dias e Pilar do Ouro Preto.

A bandeira de Ouro Preto é curiosamente similar à do estado de Minas Gerais e tem como temática principal o processo de extração do ouro na então Vila Rica:


 Uma curiosidade: anteriormente, o lema da cidade era "PRŒTIOSUM TAMEN NIGRUM"("precioso, embora negro"). Contudo, a possibilidade de uma tradução racista levou o município a oficialmente substituí-lo, no Dia da Consciência Negra de 2005, pelo parlante "PRŒTIOSUM AURUM NIGRUM" ("precioso ouro preto").

Quanto à origem em 1711, resta ser confirmada — qualquer contribuição seria bem-vinda. Eu posso pensar em pelo menos um motivo para confusão: na época, quando elevadas ao status de vila, as localidades brasileiras poderiam ganhar o direito a ostentar uma variação do escudo português. Sabará ainda o faz:


Uma questão de segunda ordem que poderia ser útil: o brasão do visconde do Ouro Preto influenciou o da cidade, ou vice-versa? Dadas as circunstâncias, eu considero uma coincidência improvável.

Afonso Celso de Assis Figueiredo: De ouro, três triângulos equiláteros de negro arranjados em forma de triângulo equilátero.

Qualquer comentário ou sugestão é muito bem-vindo.

29 de jun. de 2015

Notas acerca da genealogia do Livro do Armeiro-Mor

Ontem me deparei com uma imagem que me soou familiar (clique na imagem para dar zoom):


Aparentemente, essa imagem foi extraída de uma lâmina colorida de uma edição antiga da Encyclopædia Britannica. A legenda da lâmina é a seguinte:
Shields of arms of "Le Roy Darrabe", "Le Roy de Tarsse" and other sovereigns, mostly mythical, taken from a roll of arms made by an English painter in the time of Henry VI.
É bem provável que nunca tenha a visto antes, mas os brasões contidos neles, sim. Como o autor da legenda bem nota, a maioria dos brasões neste armorial são imaginários, ou seja, fruto da imaginação do artista ou do editor do armorial, não de uma constatação.

Mas sabe onde eu os vi antes? No Livro do Armeiro-Mor, o mais emblemático trabalho de arte heráldica de Portugal e, talvez, um dos mais belos da Europa no período. A seguir, os fólios do Livro do Armeiro-Mor, com respectiva numeração, compilados conforme a similaridade com o armorial acima. Clique nas imagens para dar zoom.


Muitos armoriais antigos usavam outras coletâneas durante a compilação dos brasões. Conforme argumenta Steen Clemmensen, a repetição de erros ou a frequência em que alguns brasões atípicos (como os imaginários) aparecem podem ser usadas para traçar uma genealogia entre os armoriais, pois é improvável dois autores tenham inventado todos os brasões imaginários independentemente.

Se confiarmos na datação da lâmina da enciclopédia, ela é do reinado de Henrique VI (1422-1461 e 1470-1471). O Livro do Armeiro-Mor é datado de 1509, mas alguns acadêmicos argumentam que pode ter sido iniciado ainda durante o reinado de João II (1481-1495); de qualquer maneira, posterior ao armorial inglês.

Algumas dos brasões presentes no armorial inglês aparecem em fontes mais antigas, como no Atlas Catalão (c. 1375), do cartógrafo maiorquino Abraão Cresques. Os reis de Aragão costumavam presentear outros soberanos com as belas cartas náuticas de Cresques, e talvez o artista inglês tenha tido contato com um desses brindes.


Dos doze exemplos naquela lâmina, os únicos que divergem significativamente são o da Polônia, cuja representação portuguesa está mais próxima da realidade, e o de Túnis com crescentes, que guarda mais semelhanças com o do Atlas Catalão. As figuras das bandas vermelhas do penúltimo brasão foram omitidas no armorial português, possivelmente por causa de sua difícil visibilidade no inglês.

Tais evidências podem ser usadas para traçar uma genealogia do Livro do Armeiro-Mor. Estas evidências não são suficientes para declarar o armorial inglês ancestral direto do português: talvez possa ser melhor explicado como "tio" ou "irmão mais velho". Mas é quase certo, de qualquer maneira, que ambos são aparentados.

Qualquer evidência adicional é bem-vinda!

25 de mai. de 2015

Brasília (DF)

A ideia de transferir a capital do Brasil para seu interior data antes mesmo da mudança de capital de Salvador para o Rio de Janeiro, no século XVIII. A mudança para o Planalto Central, especificamente, é citado em trabalhos de Hipólito José da Costa, o patrono da imprensa nacional, e do grande historiador Francisco Adolfo de Varnhagen.

A Constituição republicana de 1891 fixou o Planalto Central como o local da futura capital. Apesar da imediata demarcação e transferência da área para a União, Brasília só foi inaugurada no feriado de Tiradentes de 1960, pelo então presidente Juscelino Kubitschek, cumprindo promessa de campanha. Alguns dos encarregados pela construção de Brasília, Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade, foram o arquiteto Oscar Niemeyer, o urbanista Lúcio Costa e o engenheiro Israel Pinheiro.

Aprovado ainda em 1960, o brasão de Brasília é, talvez, a obra heráldica mais inusitada do poeta Guilherme de Almeida:



O brasão contém um tipo de cruz inédito, batizado como "cruz de Brasília", que representa o poder emanando para os quatro cantos do Brasil, e sua forma é inspirada nas insólitas curvas desenhadas por Niemeyer para as colunas do Palácio da Alvorada, primeira construção inaugurada em Brasília e residência oficial do presidente da República.

Em vez de uma coroa mural tradicional, o emblema é coroado por uma mesa de reuniões, e seu mote é "venturis ventis" (do latim, "aos ventos vindouros"). Na minha opinião, pode-se muito bem reduzir o escudo brasiliense ao seguinte:

Brasília: De verde, uma cruz de Brasília de ouro.


A mesma cruz está presente na bonita bandeira de Brasília:


Colocando a mesma borda branca no escudo:

Brasília (proposta): De verde, uma cruz de Brasília de ouro e bordadura de prata.

Numa próxima postagem, falo mais sobre a Arquidiocese de Brasília. Por ora, é isso.

Comentários e sugestões são bem-vindos!

20 de jan. de 2015

São Luís (MA)

No post sobre França Equinocial, vimos que São Luís foi a capital daquela colônia; aliás, foi a única cidade brasileira fundada por franceses. Outro fato notável é que, entre 1621 e 1811, São Luís foi a capital, em ordem cronológica, do Estado do Maranhão, Estado do Grão-Pará e Maranhão e Estado do Maranhão e Piauí, que, na teoria, eram colônias separados do Estado do Brasil.

O brasão de São Luís é um dos seis que, segundo a historiografia tradicional, foram assinalados pelos portugueses a vilas ou cidades brasileiras (os outros são Salvador, Rio de Janeiro, Belém, Vila Bela de Trindade e Cuiabá). A cidade ganhou o seu em 1647, e pode ser visto abaixo:
Fonte: MEIRELES, 1994

A seguir, minha interpretação pessoal do mesmo. Eu tomei a liberdade de remover os escudos da perspectiva isométrica, e assinalei as armas da Casa de Nassau ao Reino dos Países Baixos. Ainda assim, não sei porque o brasão do Reino da França é anacrônico. Infelizmente, talvez apenas a provisão régia original possa responder a essas perguntas.
São Luís (colonial)

O brasão foi concedido em 1647, três anos após a expulsão dos colonizadores holandeses pelos próprios moradores de São Luís. A interpretação tradicional do escudo, com a balança pendendo para o lado português, é de que a justiça e o direito (jus) português preponderou (prœponderat) sobre a força militar (vis) francesa e neerlandesa.

Em 1926, São Luís ganhou seu brasão moderno. A versão atualmente utilizada pela prefeitura da cidade é a seguinte:



Minha realização do mesmo:

São Luís: De azul, sete estrela de prata arranjadas conforme a constelação de Plêiades; escudete firmado em chefe franchado: I - De verde, três flores-de-lis de ouro; II - De prata, cinco escudetes de azul em cruz, cada um carregado de cinco besantes de prata em aspa.

A constelação de Plêiades é uma referência aos escritores maranhenses que se destacaram a nível nacional, especialmente a geração de Gonçalves Dias (autor da "Canção do Exílio" e do épico I-Juca Pirama), que rendeu à cidade a alcunha de "Atenas brasileira". O escudete faz certa alusão ao brasão colonial, enquanto que sua posição é uma referência à posição da ilha de São Luís em relação ao estado do Maranhão.

Aproveitando a ocasião, gostaria de comentar o brasão da Arquidiocese de São Luís no Maranhão:


A minha interpretação para o mesmo brasão:

Arquidiocese de São Luís no Maranhão: Cortado ondado: I - De azul; II - Ondado de  prata e azul; brocante sobre o todo, três flores-de-lis de ouro.

Eu não encontrei nenhum texto sobre esse brasão, mas não é difícil interpretá-lo. Além de representar o passado colonial da ilha, as flores-de-lis podem representar São Luís da França, que nomeia a arquidiocese (apesar de não ser seu patrono). O campo ondado deve referir-se ou ao caráter insular de São Luís ou ser parlante de Maranhão (do tupi via espanhol, rio grande ou mar), ou ambos.

Comentários, adições/correções e sugestões são bem-vindos.

6 de jan. de 2015

Corinthian-Casuals Football Club (Inglaterra)

Nesse janeiro, o time do Corinthian-Casuals FC excursionará ao Brasil, em visita que contará com um amistoso contra o time do Sport Club Corinthians Paulista, cujo nome e primeiros uniforme e distintivo foram inspirados pelo Corinthian FC, que juntou-se com o Casual FC em 1939 para formar o clube atual.

O Corinthian Football Club, de Londres, foi um dos mais ilustres times do primórdio do football association. Durante a décade de 1880, constituiu a base da seleção inglesa e, em duas ocasiões na próxima década, representou o time nacional em compromissos contra a seleção de Gales. Apesar da inegável superioridade sobre os demais times (resultando em muitas goleadas inesquecíveis), o espírito desportivo presente em todo o estatuto do clube impedia a participação em competições ou por prêmios de qualquer tipo até 1900.

Nas décadas seguintes, mantendo-se amador (status zelosamente mantido até hoje) em meio a profissionalização do esporte na Inglaterra, excursionou por vários países, que inspirariam, além do quase-xará brasileiro, as camisas brancas de nada menos que o Real Madrid.

Já em 1959, como Corinthian-Casuals, o time recebeu concessão de armas pelo College of Arms, pelos serviços prestados ao futebol inglês. Até onde consta, foi a única equipe de futebol, amadora ou profissional, a receber tal honra. Uma realização do mesmo pode ser vista abaixo:


Uma realização do escudo, de minha autoria, pode ser conferida abaixo:

Corinthian-Casuals Football Club: De verde, uma banda do campo filetada de prata carregada de um leopardo de ouro; num cantão de prata, bola de futebol de couro de sua cor brocante sobre uma cruz de vermelho.

O leão e a cruz de São Jorge são símbolos tipicamente ingleses, e sua inclusão em brasões concedidos pela Coroa é, em muitas ocasiões, considerados uma honra maior. O simbolismo da bola de futebol é óbvio e, talvez, as linhas brancas em fundo verde façam alusão a um campo de futebol.

No timbre, o leão de duas cabeças representa as duas grandes equipes  ̶̶̶  o Corinthian FC e o Casuals FC  ̶̶̶  que se amalgamaram para formar a equipe atual, e segura bandeirolas com as cores dos dois ex-times, respectivamente, branco-e-azul e rosa-e-chocolate. A divisa, "E Duobus Unum" ("De dois, um"), representa o mesmo fato.

Sugestões e comentários são bem-vindos.