28 de nov. de 2014

Uma tréplica

Eduardo D'Castro, em seu blog pessoal, fez uma postagem com sete "mitos" sobre a heráldica. As três últimas citações foram retiradas, ipsis literis, de textos meus. Por meio desse post, pretendo demonstrar um porquê de não considerá-las "mitos".

[EDIT: Aparentemente, apenas o último dos textos era meu. De qualquer forma, todas minhas posições expressas a seguir estão de pé.]

Não há nenhum órgão regulador para armoriais (sic) atuante hoje em dia, e mesmo quando houve, o uso de armas por não-nobres ocorreu de forma evidente. Hoje, em países da Commonwealth, QUALQUER UM pode adotar armas.

Nessa frase, refiro-me à situação do Brasil republicano. A primeira oração é fato inegável: não há órgão oficial que regule a situação da heráldica no país. Qualquer posicionamento sobre o assunto é extraoficial e subjetivo e pretendo provar que minha posição é tão válida quanto qualquer outra.

O primeiro contra-argumento de Eduardo é que essa posição vai contra a "tradição familiar". Nesse ponto, é importante destrinchar sua posição sobre o assunto. Em post de 26 de novembro desse ano, afirma:
Eu já expliquei que acho correto adotar um brasão quando se tem uma tradição à preservar ou um causa pessoal importante. Vaidade das vaidades é simplesmente adotar armas por adotar, sem pesquisa genealógica, nem causa. Qualquer um pode adotar armas, como já disse, mas é preciso observar uma história ou causa por trás desta adoção.
Aqui, é importante explicar um pouco da história da heráldica. Durante o período das Cruzadas, as armaduras tornavam-se cada vez mais pesadas, com capacetes fechados que cobriam todo o rosto. Dessa maneira, era necessário o uso de algum novo meio de identificar rapidamente um combatente em campo de batalha e, melhor, saber se era aliado ou inimigo. Daí, surge a heráldica, cujo nome (na verdade, relativamente moderno) provém dos "arautos", cargo com diversas funções cerimoniais e diplomáticas e que, durante batalhas e torneios, eram encarregados da identificação dos participantes a partir dos brasões ostentados. Após algumas décadas, tais brasões passaram a ser hereditários (tal como as próprias armaduras), o que não acontecia em primeiro momento.

A novidade se espalhou como febre para as elite não-combatente e, nos próximos séculos, para burgueses (no sentido de "habitante de um burgo") e autoridades eclesiásticos, quando os brasões passaram a compor ou substituir selos durante a autenticação de documentos e marcação de posse. Percebe-se, aí, que os brasões não deveriam pressupor alguma causa, mas servir como meio de identificação.

O uso de armas complexas, com simbolismo associado a "causas" e como meio de ostentação de nobreza ou "tradição familiar" é um fenômeno mais recente, associado ao que alguns historiadores da heráldica costumam chamar de Décadence. Privar um indivíduo de possuir armas é privá-lo do direito de identificar-se através da arte heráldica.

Não me lembro exatamente o contexto em que expressei que "o uso de armas por não-nobres ocorreu de forma evidente".

Quando falei de Commonwealth não me referia a Nobreza e sim à Heráldica, mais especificamente ao College of Arms e seus equivalentes. O College of Arms é uma instituição que goza de certa autonomia. Em época de globalização, onde toda fonte de conhecimento sobre a heráldica é proveniente de diferentes países, e ater-se a apenas um regulamento para falar de heráldica é muito restritivo.

Numa continuação do pensamento anterior, lembro que, em todos as autoridades heráldicas ainda existentes através do mundo, qualquer indivíduo, independentemente de gênero, etnia, religião, origem social ou qualquer outra forma de distinção, é permitido a obtenção de concessão ou registro de armas (os modelos variam), seja em países monarquistas ou republicanos. E, em todos eles, com exceção da Escócia, não é punível a adoção de armas por fora do framework legal. Supor que o sistema oficial brasileiro ou português manteriam-se idênticos ao que eram ao tempo de sua extinção é uma subjetividade.

Lembro ainda que a população brasileira é constituída de seus nativos e de imigrantes de todos os continentes. Ater-se a apenas uma "tradição" em prejuízo de todas as outras, ou de um sistema tolerante, que vem sendo pregado por autoridades e entusiastas da heráldica de todo o mundo, é um retrocesso, na minha humilde opinião. Como exemplos extremos, concessões oficiais de armas para um inuíte no Canadá e um zulu na África do Sul.

Eduardo também contra-argumenta que não é possível desvencilhar nobreza e heráldica. Se não é possível, seria ao menos necessário. Pela redação da primeira Constituição da República:
Todos são iguais perante a lei. A República não admite privilégios de nascimento, desconhece foros de nobreza e extingue as ordens honoríficas existentes e todas as suas prerrogativas e regalias, bem como os títulos nobiliárquicos e de conselho.
Se você acompanhou minha resposta ao tópico anterior, deve ter percebido que em boa parte do mundo com tradição heráldica firmada (inclusive Portugal, até cerca do fim da Idade Média), os brasões de armas, mesmo quando sua concessão era considerado uma honraria dada pela Coroa, não conferiam status de nobreza, tampouco nobreza (titulada ou não-titulada) dava o privilégio exclusivo de possuir armas.

O autor do artigo ao qual respondo também trata de maneira jocosa a decisão de adotar paquife, virol e elmo. Em primeiro momento, todos eles são derivados do "uniforme" do cavaleiro medieval. O fato de alguns desses elementos terem sido restritos a certas classes sociais em um sistema específico de armaria não necessariamente exprime intenção de passar-se por um agraciado, especialmente quando as premissas que sustentavam tal sistema foi expressamente extinto no país (vide citação anterior). É importante notar que o elmo que eu utilizo é muito diferente daquele concedido para nobres em Portugal e outros países; é fechado e de ferro, ao invés de aberto e de prata, o que, em algumas localidades representaria exatamente uma intenção de não se passar por ilustre.

É importante afirmar que nunca houve tanta valorização e estudo da heráldica medieval (para citar alguns autores eminentes, Michel Pastoureau e Bruno Heim). A utilização de "somente o escudo e no máximo um virol, talvez paquife", como queira Eduardo, é uma distorção da estética heráldica medieval.

Depende do que você define como ‘direito nobiliárquico’. Na minha visão, e não estou sozinho, pelo direito nobiliárquico brasileiro, qualquer uso de brasão hoje em dia seria usurpação, pois as cartas de brasões brasileiras, em geral, não permitiam herança pelos descendentes, e a lei não considerava válidos brasões que não constem no Cartório [de Nobreza e Fidalguia do Império].

Essa parte é mais simples de ser destrinchada. Argumenta-se que, através da emissão de uma nova carta de armas, que requereria um novo pagamento, o descendente tornava-se apto a usar o brasão de seu/sua ancestral. Em tese, as "cartas de brasão" (Eduardo cita que a expressão correta seria "cartas de armas", mas pode-se ver seu uso em concessão portuguesa aqui) garantiam que o uso das armas não fosse automaticamente herdado, e não o contrário. Durante o Segundo Reinado, o uso de brasão sem a devida carta, mesmo por herdeiro legítimo, passaria a configurar crime previsto no Código Penal. É importante notar o esforço de D. Pedro I para conceder cartas de armas brasileiras para a nobreza e fidalguia portuguesa que habitavam o país.

Ele termina sua contra-argumentação com uma citação de Mário de Méroe, cuja obra não apenas conheço como possuo (apesar de não ser grande admirador), o que explicito com a fotografia da capa do livro com uma fotografia 3x4 minha, a seguir:



Vamos, enfim, para a citação (que aparenta ser de edição diferente da minha):
Assim sendo, baseado no conceito básico da família que é reverenciar os próprios ancestrais mortos e lembrando que, hoje em dia, muitos estudiosos de direito nobiliárquico reconhecem o direito ao uso do brasão de armas pela família do titular, sempre após sua morte, esses 2 fatos nos permitem inferir que é aceitável/compreensível/permitido aos membros das famílias dos titulares brasileiros, com título sul cognome, isto é: com o próprio nome da família, o uso dos brasões de armas destes titulares de maneira legal valendo, este brasão, como uma identificação/distinção e referência histórica/sentimental do passado desta família.
É importante notar a utilização da expressão sul cognome. Os títulos sul cognome representavam uma infimidade entre os concedidos durante todo o Império. Na minha citação original, fui correto na utilização do "em geral", mas fui desatento na utilização de "qualquer".

Conclusão

Espero ter sido suficientemente claro e evitado o pedantismo em minhas colocações. Ponho-me a disposição para discutir ou corrigir qualquer ponto deste texto, através da caixa de comentários abaixo.

[EDIT: Você pode acompanhar a resposta de Eduardo e minhas considerações a respeito nesse link.]

28 de out. de 2014

Coincidências? #1

Escrevendo a postagem anterior desse blog, esbarrei novamente com o brasão da Faculdade Maurício de Nassau, instituição privada de ensino superior com representação em diversas cidades do Nordeste e Norte Brasileiro.

Seu emblema é o seguinte:


Tal logo, sobre um ponto de vista heráldica, destaca-se negativamente pela péssima arte e por erros de feitura amadores - a coroa mural, por exemplo, além de injustificável, está no esmalte não-usual e não deveria ser lugar para uma divisa.

Arrisco-me ao seguinte brasão:

Faculdade Maurício de Nassau: Partido de vermelho e azul, brocante um grifo rampante de ouro, entre suas mãos um sol de azul carregado de besante de prata.

Esse brasão sempre me pareceu familiar, até mesmo antes de conhecê-lo. Olhando o simbolismo dado no próprio site da instituição, não se percebe nenhum significado claramente ligado à instituição.

Isso porque o brasão é cópia do brasão de outra entidade, de natureza bem diferente: o Exército Brasileiro. Conforme o site do mesmo:


A imagem do brasão não corresponde com exatidão à descrição dada pelo texto da lei e, mesmo que correspondesse, ainda há erros de composição que posso tratar nesse blog em ocasião futura.

A seguir, a descrição dada pelo decreto, que pode ser conferido na íntegra aqui:
Escudo clássico português partido de vermelho e azul, tendo em brocante um grifo de ouro, animado, lampassado e armado de preto, segurando nas garras uma estrela de oito pontas de prata. Simbolizando, a figura mitológica do grifo, a vigilância e a guarda na defesa da Pátria e da lei; a estrela de oito pontas, a necessidade de se agir em todos os pontos cardeais em busca da União.
Em minha interpretação:

Exército Brasileiro: Partido de vermelho e azul, brocante um grifo rampante de ouro, armado, lampassado e animado de negro, entre suas mãos uma estrela de oito pontas de prata.

É possível que a enorme semelhança entre os dois brasões seja mera coincidência? Sim, mas as circunstâncias não jogam a favor.

Para ler o post de John Rafael sobre o brasão do Exército Brasileiro, clique aqui.

Comentários são bem-vindos!

19 de out. de 2014

Recife (PE)

Hoje falaremos sobre o brasão do Recife, a "Veneza brasileira" e a Mauritsstad de Nassau.


O brasão da cidade é cortado. Em chefe, a bandeira de Pernambuco, a mesma derivada da bandeira da Revolução Pernambucana de 1817. No contrachefe, uma vista do extremo norte do Recife, com o farol e o forte da Barra. Os suportes faz tanto alusão ao brasão do conde João Maurício de Nassau-Siegen quanto ao apelido de "Leão do Norte", ganho devido às lutas da população do estado.

Maurício de Nassau: Esquartelado: I - De azul, bilhetado de ouro, um leão de ouro, armado e lampassado de vermelho (Nassau); II - De ouro, leopardo leonado de vermelho, armado, lampassado e coroado de azul (Katzenelnbogen); II - De vermelho, uma faixa de prata (Vianden); IV - De ouro, dois leões leopardados de ouro, armados e lampassados de azul (Dietz).

Minha interpretação das armas do Recife:

Recife: Cortado: I - De azul, um arco-íris de vermelho, ouro e verde entre uma estrela e um sol de ouro em pala, uma cruz latina de vermelho num contrachefe de prata; II- Vista para o farol e o fortim da Barra, tudo da sua cor.

Na minha humilde opinião, o brasão do Recife não está à altura da cidade, uma vez que o uso de paisagens realistas em brasões não é de bom gosto. Na minha humilde opinião, juntando-se elementos do brasão e da bandeira da cidade, pode-se obter um resultado mais efetivo.

Bandeira do Recife.

A escolha mais imediata para a cor do leão seria o dourado:

Recife (proposta): De prata, leão coroado cosido de ouro, armado e lampassado de vermelho, entre suas garras uma cruz latina do mesmo; chefe de azul, um arco-íris de vermelho, ouro e verde entre uma estrela e um sol de ouro em pala.

Contudo, o brasão contraria a regra da contrariedade dos esmaltes ao sobrepor um metal sobre outro (leão de ouro em fundo de prata). Minha segundo proposta utiliza um artifício para resolver tal problema:

Recife (proposta): De prata, leão da sua cor, coroado de ouro, entre suas garras uma cruz latina do mesmo; chefe de azul, um arco-íris de vermelho, ouro e verde entre uma estrela e um sol de ouro em pala.

Comentários, sugestões e correções são bem-vindos.

11 de out. de 2014

São Vicente (SP)

Este post apresentará o brasão de armas de São Vicente, a primeira vila do Brasil, e por isso chamada de cellula mater do país.

A vila de São Vicente foi fundada em 22 de janeiro de 1532, por Martim Afonso de Sousa, donatário da capitania de mesmo nome. Uma câmara foi organizada, ocorrendo em 22 de agosto a primeira eleição das Américas.

O atual brasão de São Vicente foi idealizado pelo excelente Lauro Ribeiro Escobar (autor de centenas de brasões e bandeiras municipais) e adotado em 1976. A seguir, o brasão pelas mãos do próprio Escobar:



E, a seguir, as mesmas armas, em minha versão:

São Vicente: De prata, um leão de púrpura; numa bordadura de vermelho, oito cruzes páteas de ouro.

O escudete central é derivado do brasão de Martim Afonso de Sousa, que pode ser visto, por exemplo, em moeda comemorativa dos 400 anos da colonização portuguesa, em 1932.

Moeda comemorativa de 1000 réis (1932).

Sousa, do Prado: Esquartelado: I e IV - de prata, cinco escudetes de azul postos em cruz, cada um carregado de cinco besantes do campo, postos em aspa; II e III - de prata, um leão de púrpura. Timbre: O leão do escudo.

A bordadura de cruzes lembra o período do Descobrimento e o esforço catequizador dos jesuítas, que chegaram à vila em 1549.

Algo que me chamou atenção durante a pesquisa foi o artigo da Wikipédia citar que Lauro Ribeiro Escobar baseou seu escudo numa concepção do ilustre pintor Benedito Calixto. Curioso, obtive a seguinte ilustração, não muito clara, de um adorno desenhado pelo pintor para seu livro Capitanias Paulistas (1924).


Não são muito claros os elementos que compõe tal escudo. A seguir, minha interpretação. Perceba que as cores do virol devem ser fruto de equívoco, tendo em vista que o púrpura é um esmalte relativamente raro e difícil de se obter.

São Vicente (hipotético): De prata, um leão de púrpura firmado sobre um virol de prata e vermelho e encimado por uma coroa cívica de verde.

Comentários, inclusive quaisquer informações adicionais e interpretações diversas, são muito bem vindas!

30 de jul. de 2014

Brasil Holandês

Esse post apresentará mais sobre a heráldica criada e usada durante a ocupação de parte do nordeste do Brasil pela Companhia Neerlandesa das Índias Ocidentais (1630-1654), na chamada Nieuw Holland (Nova Holanda), popularmente conhecida como Brasil Holandês.

O uso dos brasões descritos abaixo tiveram razoável uso durante o período holandês. Aparecem nas gravuras elaboradas por Frans Post, e no frontispício da obra "Rerum in Brasilia et alibi gestarum" (1647), de Gaspar Barléu (em latim, Caspar Barlaeus), reproduzido abaixo (clique na imagem para aumentar):


As quatro províncias

As quatro províncias que constituam o Brasil Holandês — Pernambuco, Itamaracá, Paraíba e Rio Grande — receberam cada uma brasão próprio em 1638, dadas pelo príncipe Maurício de Nassau. As cores não são descritas, então uso as que creio ser as mais frequentemente utilizadas.

A província de Pernambuco recebeu um brasão com uma donzela, segurando, em uma de suas mãos, um espelho (referência parlante ao nome da então capital da província, Olinda) e, na outra, um caule de cana-de-açúcar, que era seu principal produto.

Pernambuco: De prata, mulher segurando, em sua mão destra, uma cana-de-açúcar, e, em sua mão sinistra, um espelho, tudo de sua cor.

Itamaracá recebeu brasão com três cachos de uvas, já que sua ilha produzia, naquele momento, as melhores uvas do Brasil.

Itamaracá: De prata, três cachos de uvas de sua cor.

Devida a sua grande e famosa virtude açucareira, a província da Paraíba ostentava um brasão com seis pães de açúcar.

Paraíba: De azul, seis pães de açúcar de ouro

A província do Rio Grande (que ainda não tinha adicionado "do Norte" ao nome) carregava um brasão com uma ema (que os antigos confundiam com um avestruz), que, aparentemente, era comum na região à época. Além disso, também ostentava faixas ondeadas, parlantes do Rio Grande (provavelmente, o rio Potengi).

Rio Grande: De ouro, uma ema de sua cor assente em uma faixa ondada de azul carregada de uma burela ondada de prata.

A colônia

A partir desses quatro brasões, o brasão do Brasil Holandês pode ser descrito com mais simplicidade:

Nova Holanda (Brasil Holandês): Esquartelado: I - Pernambuco; II - Itamaracá; III - Paraíba; IV - Rio Grande; escudete sobre o todo da Companhia das Índias Ocidentais.

O brasão da Companhia Neerlandesa das Índias Ocidentais é apresentado com mais detalhe abaixo:

Companhia das Índias Ocidentais: Um barco navegando com velas enfunadas, decorado com a bandeira dos Países Baixos, tudo da sua cor

As comarcas de Pernambuco

Sabe-se que as demais comarcas da província de Pernambuco (que incluía território bem maior que o atual estado) também ganharam brasões no período holandês. Sabendo que as justificativas para os mesmos não foram documentadas, elas são mera interpretações.

A comarca de Alagoas (que hoje se localiza no município de Marechal Deodoro) tinha três tainhas em pala. Segundo a justificativa oficial das armas do atual estado de Alagoas, elas se referem ao farto pescado que se obtinha na região, e o número três se refere às principais lagoas (percebe-se, aí, elemento parlante) do então povoado: Mundaú, Manguaba e Jequiá. Uma interpretação alternativa, sem comprovações, faz crer que os peixes não deviam ser tainhas, mas sardinhas, e relaciona-as ao devoramento do bispo Pero Fernandes Sardinha por índios caetés, que teria ocorrido na região de Alagoas.

Alagoas: De prata, três tainhas em pala, da sua cor.

Não achando nenhuma versão vetorial de tainhas, criei-as para essa ocasião.

A comarca de Igarassu recebeu três siris, provavelmente referência à economia da comarca.

Igarassu: De prata, três siris de vermelho.

Porto Calvo teve sua orografia representada, destacando seus três principais morros: Cemitério, Hospital e Igreja Matriz.

Porto Calvo: De prata, três montes de vermelho, unidos, o do meio mais alto.

As três coroas presentes no brasão de Sergipe provavelmente se referem ao fato de ser conhecido, à época, como "Sergipe d'El-Rei" e o sol, seguindo a mesma lógica, é conhecido como "astro-rei".

Sergipe: De vermelho, sol de ouro em seu esplendor; em contrachefe, três coroas do mesmo em roquete.

Resta ainda Serinhaém, que ganhou um cavalo em seu brasão, em referência à boa qualidade da criação equina que se podia encontrar, na ocasião, nessa comarca.

Serinhaém: De vermelho, cavalo passante de prata.

Encerramento

O próprio Gaspar Barléu apresenta sua interpretação aos brasões, que pode-se ler abaixo:
Os lauréis que, na parte superior, encerram no centro os leões, quiseram assim aludir ao seu titular [Maurício de Nassau]. Fulge de um lado, a coroa mural, que se confere em recompensa das portas entradas; do outro, adorna por cima, os esporões dos navios os prêmios com que se honram as vitórias navais. A virgem pernambucana mira os seus olhinhos, e, graciosa, ergue a mão, a qual segura uma cana. Próxima, a fecunda Itamaracá exibe os seus nectários racimos e os magníficos dons do próprio solo. Junto a ela, a Paraíba põe nas formas o dulcíssimo açúcar e o torna grato aos povos. O avestruz, errante habitador do Rio Grande, foge correndo, e falsamente imagina que se lhe dá de comer. Destarte se ufana o Novo Mundo com os brasões batavos, e, sob o governo de Maurício, floresce-lhe a gleba feraz. As gentes que a terra distingue defende-as um só Chefe. E a Nau de Marte sulca as águas ocidentais, fazendo conhecidos os seus mercantes e os senhores do mar. Em frente pasma-se o Sol ante as armas, ainda que violentas. Tu, Sergipe, pões em face de tuas moradas as flamas de Febo, e sozinhos queres ser chamado de el Rey. Teus são, Iguaraçu (sic), os caranguejos. A ti, Porto Calvo, aprazem os cimos: ali estás sobranceiro, ó tu, que deves ser temido daquelas cumeadas. O gênero escamígero [metáfora para os peixes] mergulha-se nas rédeas das Alagoas. Contra Serinhaém relincha o belicoso corcel. Crava a âncora na areia os dentes entravados e quer se nos deem ali reinos diuturnos. A bússola aponta para o Ocidente, mas não olha para o Levante. Por quê? Porque reina cada um em plagas distintas. A fama que vês soprar os clarins e as tubas, mostra não o esforço, mas o ar de quem apregoa tão grandes cousas.
Informações adicionais podem ser encontradas aqui.

Comentários são bem-vindos!

31 de mai. de 2014

Nelson Mandela

Símbolo da luta contra o regime do apartheid, Nelson Mandela (1918-2013) foi agraciado com o Prêmio Nobel da Paz em 1993, e foi presidente da República da África do Sul de 1994 a 1999, e é lembrado como um dos mais importantes líderes da África Negra.

Oficialmente, Mandela nunca assumiu armas. Mas, quando necessário, ele preferiu representar-se heraldicamente através de um escudo consistindo na bandeira da África do Sul girada 90º.

Nelson Mandela: Partido de vermelho e azul, mantelado em chefe de negro; brocante sobre o todo, perla de verde perfilada em chefe de ouro e nos flancos de prata.
Esse brasão é apenas uma proposta. Sinta-se livre para postar a sua própria versão nos comentários.

Na primeira aparição conhecida de seu brasão, quando tornou-se cavaleiro da Ordem do Serafim (Suécia), em 1997, e teve suas armas pintadas para o armorial da ordem. Na ocasião, seu escudo era acompanhado pela divisão então presente nas armas nacionais sul-africanas: "Ex unitate vires" ("união é força").

Nelson Mandela, Ordem do Serafim.
Em 1996, Mandela tornou-se cavaleiro da Ordem do Elefante (Dinamarca), que também mantém um armorial. Suas armas, contudo, só foram pintadas anos depois, pelas mãos de Ronny Andersen, quando a África do Sul já havia alterado seu lema (portanto, depois do ano 2000) para "ǃke e: ǀxarra ǁke" (em |xam, "união de povos diversos").

Nelson Mandela, Ordem do Elefante.
Comentários são bem-vindos.

16 de mar. de 2014

França Equinocial

Entre as muitas tentativas francesas de estabelecer colônias a partir do litoral do Brasil, destacam-se a França Antártica, na baía de Guanabara,e a França Equinocial, que, em seu auge, abrangeu territórios dos atuais estados de Maranhão, Piauí, Pará e Amapá, e que tem como legado a Guiana Francesa. Mas o grande coração desse empreendimento era a gloriosa São Luís.

Há poucos dias, sendo aprofundado no tema, deparei-me com a folha de rosto da obra Historie de la mission des pères capucins en l'isle de Maragnan et terres circonvoisines, de Claude d'Abbeville (1604), uma obra sobre a conversão de indígenas na ilha de São Luís que ajudou a difusão do "mito do bom selvagem". Segue imagem da mesma (clique na imagem para aumentar):


A folha de rosto contém dois brasões relacionados ao empreendimento da França Equinocial. O primeiro, bem óbvio, era o do Reino da França, à esquerda, timbrado com a coroa real da França e cercado pelos colares da Ordem de São Miguel e da Ordem do Espírito Santo.

França moderno: De azul, três flores-de-lis de ouro.
O outro escudo, à direita, até então misterioso para mim, pôde ser identificado com a ajuda do próprio livro: segundo o mesmo, atribuído à França Equinocial, como se pode evidenciar neste trecho da tradução do livro ao português (disponível online aqui):
Ó França, não és tu o reino dos Lyrios ? Não adornam os Lyrios o reino de França ? Assim também esta França equinoccial é com especialidade o Reino do Sol, e o sol embellesa particularmente esta França equinoccial, visto que d'ahi não sahe e ahi dorme perpetuamente. 
Indis Sol splendet, splendescunt lilia Gallis.* 
Deos, ó França, honrou-te dando-te por armas para teo Reino três bellos lyrios cor de oiro em campo azul: não lhe será por tanto desagradável, que a este reino da nova França equinoccial se dé um sol de fino ouro sobre um campo azul para que a unidade da Essência Divina seja n'ella mysteriosamente figurada, como é em ti representada a trindade das três pessoas divinas, e como reconheces depender a bellesa de teos lyrios do esplendor de Deos, verdadeíro sol da justiça, alegrar-te-has d'ora em diante vendo o explendor do bello sol da França equinoccial realçar a bellesa de teos lyrios, e comtemplar teo Rei não só como rei do sol mas também como o verdadeiro hieroglypho da Magestade Divina. 
* Em latim, O Sol da Índia brilha, or lírios franceses brilham.
Daí, pode-se supor os esmaltes do escudo, que, no frontispício, é timbrado com uma coroa antiga.

França Equinocial: De azul, sol de ouro em seu esplendor.
Um sol em seu esplendor é, em heráldica, representado com raios retos e ondulados intercalados, e, normalmente, uma face humana, tal como na ilustração.

Uma curiosidade é que os dois brasões são abraçados pela expressão "et permanebit cum sole", presente nos Salmos 71(72):5.

Se alguém conhecer qualquer outra aparição do segundo brasão, favor citá-la nos comentários.